29 janeiro, 2006

A revolução da TV digital

Saiba como foi o debate com o cineasta Roberto Moreira e a jornalista Mara
Gama
Por Thais Rivitti

A televisão está prestes a passar por uma grande transformação: trocar o
padrão analógico pelo digital. Para refletir sobre a TV digital e o futuro
da difusão maciça de imagens, Trópico realizou, em parceria com a Pinacoteca
do Estado, um debate com Roberto Moreira, diretor do longa-metragem "Contra
todos" (2004) e professor do departamento de cinema, rádio e televisão da
ECA- USP, e Mara Gama, jornalista, gerente geral de entretenimento do UOL.
Segundo a mediadora do debate, a antropóloga Esther Hamburger, co-editora de
Trópico, a definição de um padrão para a TV digital no Brasil envolve
tópicos como o grau de interatividade e mobilidade, a qualidade da imagem e
a possibilidade de conexão direta com a internet. O governo brasileiro irá
optar por desenvolver um modelo próprio levando em conta as especificidades
do país ou adotará um padrão já usado internacionalmente? Para ela, porém,
"mais complicadas do que as questões técnicas são as políticas". Está em
jogo o estabelecimento de jurisdições, dos limites da ação das companhias de
telefonia, das emissoras de TV a cabo, a definição sobre quem irá difundir o
conteúdo, entre outros temas que dizem respeito ao interesse de grandes
corporações.

TV, internet e interatividade
"Eu acho que a TV interativa é um fracasso", disse Roberto Moreira, abrindo
o debate de forma polêmica. Ele ressaltou que, durante os anos 80, foram
feitas algumas experiências com TV interativa que nunca deram certo. "É
importante lembrar disso, pois há, em relação à televisão, uma vontade de
enfiar nela algo que ela não comporta", afirmou.
Para Roberto, a TV é uma mídia extremamente centralizada que alcança milhões
de espectadores, o que a torna pouco propensa à interatividade. "É na
internet que a promessa de interatividade se realizou de uma maneira muito
mais forte que nos modelos que as emissoras de televisão pesquisaram",
disse.
Ele lembra que o Netscape foi lançado em 1997 e, em menos de dez anos, a
internet penetrou em nosso cotidiano. O que se pensava, no início da
internet, era que ela seria uma espécie de televisão, com algumas poucas
corporações produzindo conteúdo e milhões de pessoas pelo mundo recebendo
esse conteúdo. Mas aconteceu algo completamente diferente: são as próprias
pessoas que estão construindo ativamente a internet. As corporações que
controlam os processos de distribuição e produção são importantes, mas não
respondem pela totalidade do conteúdo.
"Eu acho que devemos começar a pensar a televisão e a internet a partir
dessa idéia da participação, da produção de conteúdo feita pelos próprios
usuários. É um processo meio irreversível. Quem pular dentro desse vagão vai
se dar bem e criar um modelo interessante. Já quem continuar no modelo
centralizado vai acabar ficando para trás", afirmou.
Roberto Moreira disse estar desanimado não apenas com a lentidão do processo
de adoção da TV digital no Brasil, mas também com o debate a respeito.
"Vemos uma discussão política que contamina o tempo inteiro as decisões
técnicas.". Em sua opinião, o melhor modelo é o japonês, pois permite a
transmissão para celular. Hoje, as distribuidoras, quando pensam num novo
filme, já discutem as estratégias para celular. "Acho que a nossa televisão
tinha que dar um salto e já pegar uma tecnologia de ponta", defendeu.

Da produção à distribuição digital
O diretor apontou como a digitalização afeta as diferentes etapas do
audiovisual: produção, exibição e distribuição. Com relação à produção, ele
acha que daqui a cinco ou dez anos a digitalização vai ser total. Ele lembra
que já há câmeras sendo usadas em programas de TV cuja imagem tem uma
definição tamanha que vai além do que nós somos capazes de perceber. A rede
Globo está produzindo hoje alguns de seus programas usando uma câmera de
altíssima definição. "Em dois ou três anos, todos vão usá-la, o processo é
muito rápido", disse.
Para Roberto, a exibição é um problema que começa a ser resolvido. Os
estúdios e a indústria eletrônica conseguiram, após quatro anos de
negociação, chegar a um consenso sobre o formato de conteúdo para exibição
no cinema. Tal concordância era difícil devido aos interesses conflitantes
dos dois grupos: enquanto os estúdios estavam preocupados com a pirataria, o
pessoal da eletrônica queria vender aparelho. "A briga foi forte, mas há
poucos meses chegou-se a esse consenso que era o grande impedimento político
para começar a exibição digital." Agora o debate está voltado para a criação
um modelo de financiamento que possibilite a troca dos projetores
tradicionais pelos digitais, mas, ainda assim, a substituição do equipamento
deve ser bem lenta devido aos custos elevados.
Roberto acredita que o ponto mais confuso ainda seja a distribuição,
justamente porque a tecnologia abre muitas possibilidades. Mas ele
identifica hoje uma certa inclinação do mercado para deixar que o consumidor
escolha a melhor forma. O exemplo usado por ele para falar sobre isso foi a
diminuição do tempo ("janela", na linguagem audiovisual) entre a exibição do
filme no cinema, seu lançamento em DVD e sua veiculação na TV. A tendência é
que comece a acontecer tudo ao mesmo tempo. "Isso é bem revolucionário, mas
não sei se vai colar", disse. Ele acredita que o caminho, para quem trabalha
com audiovisual, seja achar um modelo em que a pirataria seja desvantajosa.
"Tem que ficar simples, barato e prático baixar um filme na internet."

Perto da TV digital
A jornalista Mara Gama iniciou sua fala com um dado concreto: 2006 é o ano
da implementação da TV digital no Brasil. "O ministro das Comunicações disse
que não vai postergar o prazo", ela lembrou. "A Copa de 2006 é um grande
espetáculo televisivo. Tanto as empresas que fazem TV como os detentores dos
direitos da Copa, que são milionários, pressionam para que essa definição
venha logo."
As declarações do ministro, segundo a jornalista, também são claras num
outro sentido: ele tende a enquadrar a TV interativa, seja qual padrão for
adotado, na legislação da radiodifusão. A TV interativa, então, não trará
nenhuma mudança no sistema de distribuição e veiculação com relação ao
modelo atual. Mas algo diferente ocorrerá com os novos aparelhos: eles vão
ter que ser pelo menos um pouco mais interessantes do que os de hoje em dia
para que façam sucesso com os consumidores.
Para Mara, "do ponto de vista político, a TV digital traz a possibilidade de
mudar a correlação de forças entre quem manda e quem distribui informação".
Ela afirmou que, na discussão entre uma TV com maior interatividade (modelo
japonês) ou com maior qualidade de imagem, as emissoras tendem a ser a favor
da segunda, porque as mudanças são menores e a relação com os anunciantes
não se altera. "Na TV interativa você pode bloquear os anúncios. Essa
questão da publicidade é muito importante também porque está obrigando as
empresas a imaginarem outro tipo de propaganda", afirmou.

Presença do celular
Mara ressaltou que a TV digital terá que conviver com esse novo meio que é o
celular. A tela da TV ficou muito grande, mas as telas do celular continuam
crescendo para que se tenha uma boa experiência visual. Um exemplo dessa
tendência é fornecido pela rede inglesa BBC, que disponibilizou 50% da
programação de outono para download gratuito na internet, ao mesmo tempo em
que trechos dos melhores programas de humor estão disponíveis para download
para celular.
Para os executivos da BBC seus produtores têm que pensar num ciclo de vida
para os produtos: TV, celular, DVD, games etc. Os novos projetos já têm que
ser planejados nessas várias mídias. "Seja qual for o formato da TV digital,
o que importa para os produtores culturais -com a internet, o celular e a
possibilidade de interagir na TV- é que existem novas narrativas e é preciso
pensar nelas, pois será um desperdício não utilizar tais ferramentas", disse
a jornalista.