08 maio, 2006

Alguém tem que pagar pela TV. Mas quem? E como?

Para forçar o telespectador a assistir aos comerciais, projeto prevê que
troca de canais fique bloqueada

Randall Stross

Eles só vão tirar meu controle remoto quando arrancarem das minhas mãos
frias e mortas.

Foi este o pensamento em minha mente depois da minha primeira leitura de um
pedido de patente para um novo tipo de televisor e gravador de vídeo
digital, recentemente registrado por uma unidade da Royal Philips
Electronics no Escritório de Patentes e Marcas dos EUA. A idéia parece
ameaçar o direito inalienável de mudar de canal durante os comerciais ou
pular os anúncios dos programas gravados.

Uma segunda leitura, mais calma, do pedido de patente revelou que a proposta
manteria o direito de evitar os comerciais, mas apenas para quem pagasse uma
taxa. Os que não quisessem pagar seriam impedidos de trocar de canal durante
os comerciais. Se o telespectador tentar burlar o sistema gravando os
programas e pulando os anúncios durante a apresentação, o novo gravador
detectaria cada segmento de comerciais e desabilitaria o botão para adiantar
a fita durante os anúncios.

O conceito parece comercialmente morto ao nascer: qual consumidor compraria
uma televisão programada para cobrar taxas? Quando conversei, na semana
passada, com o executivo responsável pela propriedade intelectual da
Philips, Ruud Peters, para saber como a idéia seria apresentada aos
consumidores, ele explicou que o pedido de patente não tinha conexão com
nenhum produto sendo produzido pela Philips. Ele disse ainda que o conceito
de temporariamente impedir o funcionamento do controle remoto para proteger
a propaganda já existe e não se originou em sua empresa.

No entanto, a possibilidade de limitar o uso do controle remoto só pode ser
realizada com um novo padrão técnico --MHP (das iniciais em inglês de padrão
multimídia caseiro)-- que a indústria de televisão está contemplando para o
futuro. Nem as redes transmissoras nem os produtores de televisores, cuja
cooperação conjunta seria necessária, ainda adotaram o padrão. Se a
indústria de televisão adotasse o MHP, os canais poderiam inserir sinais
especiais para imobilizar o controle remoto durante os comerciais. Se isso
acontecer, Peters disse que a tecnologia da Philips dará "aos consumidores a
liberdade de escolha" --"liberdade" sendo definida como a opção de pagar uma
taxa para reconquistar o uso do controle remoto.

A proposta da Philips de pagar para surfar pode ser a primeira do tipo, mas
provavelmente veremos outras que não teriam aparecido no passado, quando a
televisão baseada em propaganda prosperava. Hoje, o gravador de vídeo
digital está lento, mas determinadamente canalizando a indústria. Em 2005,
dez milhões de lares tinham DVR, de acordo com a Forrester Research; o
número deve pular para 15 milhões neste ano, 30 milhões no próximo e 42
milhões em 2010. A Scientific-Atlanta, que fornece as caixas de recepção
para todas as grandes empresas de televisão a cabo, informa que metade de
suas caixas hoje são equipadas com DVR.

O que isso significa para a propaganda pode ser inferido a partir dos dados
coletados pela TiVo, que tem 4,4 milhões de assinantes. Davina Kent,
vice-presidente da empresa, disse que quando seus clientes assistem a
programas gravados, pulam 70% dos comerciais.

O dado não escapou aos anunciantes. Josh Bernoff, analista da Forrester,
previu que "no ano que vem, veremos um declínio significativo nos gastos dos
anunciantes na televisão, como resultado dos gravadores de vídeo digital."

A indústria de televisão não decidiu como reagir. Há quatro anos, Jamie
Kellner, então presidente da Turner Broadcasting System, observou em
entrevista à revista CableWorld que os telespectadores que usavam DVR para
pular os anúncios estavam cometendo "roubo"; um minuto depois ele descreveu
a prática como "roubar a programação". Ele abriu uma exceção para visitas ao
banheiro.

As observações geraram críticas instantâneas de fora da indústria. No
entanto, ele acertou em sua previsão do crescimento do DVR quando disse, na
mesma entrevista, que as redes precisavam criar um "novo modelo" para
coletar a receita dos consumidores que usavam gravadores para pular os
comerciais.

A CBS OnDemand aluga episódios sem anúncios por uma tarifa modesta de US$
0,99 (em torno de R$ 2), mas que precisam ser assistidos até 24 horas após
serem baixados para um computador. A idéia ainda é um experimento. (Os
programas abaixados em computador revelam quanto tempo os comerciais ocupam
tradicionalmente: sem os comerciais, um programa de 60 minutos pode ter
apenas 41 minutos.) Há ofertas abundantes de programas de televisão na
iTunes, que custam US$ 1,99 (em torno de R$ 4) mas que não morrem depois de
um prazo estabelecido e também são uma idéia em estudo. Um padrão único para
a indústria que imobilize o controle remoto e a proposta da Philips de pagar
para surfar também fazem parte das possíveis respostas ao dilema da
indústria.

Eu não prestei atenção às ofertas on-line de episódios únicos de televisão
porque meu DVR funciona tão bem e a função de adiantar o filme no meu
controle remoto também. (O botão que programei para fazer um salto de 30
segundos está funcionando belissimamente, apesar de ser pressionado tão
enfaticamente quanto uma campainha de hospital conectada a uma bomba de
morfina.) Por que eu iria comprar aquilo que meu DVR grava sem esforço sem
custo algum? Mesmo que eu sentisse um mínimo de preocupação por pular os
anúncios, por estar violando um contrato implícito que Kellner afirmou
existir entre a rede e o telespectador da televisão patrocinada pelos
anúncios, conforto-me sabendo que esse contrato não existe.

James Boyle, professor de direito da Universidade Duke disse que os
anunciantes oferecem um programa sabendo que apenas uma fração do público
assiste aos comerciais. Os anunciantes compram nada além de "uma
possibilidade" e o telespectador não é obrigado a assistir a todos
comerciais, assim como um motorista não é obrigado a ler todos os outdoors.

A questão legal mais complicada dos DVR não é pular os anúncios, mas algo
ainda mais básico: o direito de se fazer uma cópia de um programa para uso
pessoal. Minha afirmativa sobre um direito inalienável de pular os
comerciais seria esvaziada se os criadores do programa que estou assistindo
pudessem exercer plenamente sua proteção por autoria e impor um controle
sobre as cópias de seu trabalho criativo.

Desde o nascimento do gravador de videocassete para uso doméstico, nos anos
70, copiamos impunemente programas de televisão protegidos por direitos
autorais, usufruindo da isenção por "uso justo", garantida para este
propósito não comercial. A legalidade desse tipo de cópia doméstica foi
estabelecida em uma decisão da Suprema Corte, no caso da Sony Corp. contra a
Universal City Studios Inc., em 1984.

A decisão tratou da cópia por um gravador Betamax e continua sendo um
precedente importante que protege as cópias atuais feitas com DVR. Mas se
analisarmos como a corte chegou à decisão no caso da Sony --por 5 votos a
4-- e como a tecnologia de gravação mudou e novas oportunidades de negócios
se abriram desde então, fica difícil entender como a maioria da corte
conseguiria manter a mesma posição atualmente.

A justiça mantém a isenção pelo "uso justo" somente quando não prejudica o
valor comercial da obra protegida. Na época do processo, com as máquinas
antigas, pular anúncios dava tanto trabalho que quase não valia a pena. No
julgamento, dados de pesquisa demonstraram que apenas 25% dos anúncios
gravados eram pulados. Diante do testemunho de Fred Rogers de "Mister Rogers
' Neighborhood" da PBS, que gostava que copiassem seu programa, os estúdios
de cinema que entraram com a ação não conseguiram convencer os juizes de que
a cópia de filmes apresentados na televisão prejudicava seus negócios.

Será que evidências indiscutíveis de que o DVR facilitou evitar assistir os
anúncios faria uma diferença no caso da Sony fosse hoje? Paul Goldstein,
professor na Faculdade de Direito de Stanford, acha que sim. "Se tudo fosse
igual, exceto o índice de omissão dos anúncios --esse seria um fato
convincente que teria feito uma diferença", disse ele.

Randal C. Picker, professor de direito da Universidade de Chicago, salientou
que a disponibilidade comercial de programas de televisão em lojas como
iTunes é outra mudança enormemente importante a ser considerada pela justiça
se um caso como o da Sony fosse litigado hoje.

Como custear a televisão gratuita é uma questão ampla e não respondida,
disse Picker. Falando como telespectador, ele disse: "Quero que outros
assistam aos anúncios. Mas não podemos todos não assistir."